• "Faze o que tu queres será o todo da Lei."
  • "Amor é a lei, amor sob vontade."
Assim foi apresentado ao mundo, desta forma, no Livro da Lei (Liber AL vel Legis), escrito por Aleister Crowley nos dias 8 a 10 de abril de 1904. Seus adeptos são chamados de "thelemitas".

Crowley desenvolveu o sistema thelemico a partir de uma série de experiências metafísicas experimentadas por ele e sua então esposa, Rose Edith Kelly Crowley, no início de 1904. A partir dessas experiências ele argumentava ter sido contactado por uma inteligência não-corpórea denominada Aiwass (a quem identificou mais tarde como seu Sagrado Anjo Guardião), a qual ditou a ele, entre o meio-dia e as 13 horas dos dias 8, 9 e 10 de abril daquele ano, o Livro da Lei (Liber AL vel Legis). Sabe-se, além disso, que pensadores anteriores a Crowley apresentaram traços da cosmovisão e sistema contidos no livro, de modo que o conhecimento thelêmico, embora coroado pelo Liber AL, não se restringe a ele.
O livro contém tanto a frase "Faze o que tu queres será o todo da Lei" quanto o termo θέλημα, o qual Crowley tomou como nome do sistema filosófico, místico e religioso que veio a se desenvolver a partir do texto daquele livro, considerado como sagrado pelos thelemitas (aqueles que seguem a filosofia ou religião de Thelema). O sistema thelemico inclui uma série de referências de magia, ocultismo, misticismo e religião, tanto ocidentais quanto orientais, tais como a Cabala e a Yoga. Segundo Crowley, Thelema representaria um novo sistema ético e filosófico para a humanidade, caracterizando um Novo Eon (nova era).

É comum que a Lei de Thelema seja compreendida, à primeira leitura, como uma licença para que se executem todos os desejos e caprichos que uma pessoa tenha, sem que haja responsabilidade ou consequências por seus atos. Contudo, esta filosofia prega justamente o oposto, partindo da idéia de que cada ser humano, por possuir livre arbítrio, é inteiramente responsável por sua existência e por suas ações, sem ser absolvido ou culpado por nenhum Deus ou Diabo no que tange o destino de sua própria vida. A liberdade de todo Homem e toda Mulher é, portanto, cultuada, uma vez que, como consta no Liber AL, "todo homem e toda mulher é uma estrela". O resultado disso é um profundo respeito a si próprio, à cada indivíduo e à cada forma de vida, como sendo expressões particulares do Divino.

Além disso, Thelema conclama cada um à descoberta e realização de sua Vontade (a inicial maiúscula sendo utilizada para diferenciar esta da vontade trivial, a expressão Verdadeira Vontade também sendo utilizada para tanto). Cada um de nós tem por obrigação descobrir e cumprir essa Verdadeira Vontade, deixando de lado todo capricho e distração que possa nos afastar deste objetivo máximo. Ao realizá-la, estamos nos integrando perfeitamente à nossa Natureza, que reflete a ordem do Universo. Portanto, realizar a Verdadeira Vontade é despertar para a Vontade do Universo.

Em Thelema, considera-se a Divindade como algo imanente: isto é, que vive dentro de tudo. Logo, conhecer sua Vontade mais íntima também é conhecer a Vontade de Deus. Esse processo de descoberta da Vontade além dos desejos do Ego constitui um método de realização espiritual baseado principalmente no autoconhecimento. Infelizmente, os escritos de Crowley são usualmente mal interpretados e incrivelmente tomados no sentido oposto ao original, dando origem a comportamentos anti-sociais que nada têm a ver com Thelema.

A nível social, Thelema pode ser entendida como a luta pela vivência da Liberdade de cada indivíduo, de modo que ele possa se realizar de acordo com sua órbita particular, isto é, dentro de suas vivências e escolhas específicas. Considerar a importância essencial do indivíduo para o mundo pode ser uma postura menos pragmática do que a tradição política adotada por sociedades opressoras e massificantes. No entanto, pelo que foi explicado anteriormente, está claro como a tirania e regimes tirânicos nada têm a ver com Thelema.

O Livro da Lei

 
O sistema thelemico tem início com a escritura do Livro da Lei, cujo nome oficial é Liber AL vel Legis. Foi escrito no Cairo, Egito, durante a lua de mel de Crowley e sua primeira esposa, Rose Kelly. Este pequeno livro contém três capítulos, cada um escrito durante o período entre o meio-dia e as 13h00, dos dias 8, 9 e 10 de abril de 1904. Crowley dizia que escreveu o livro segundo o que lhe foi ditado por uma entidade "preter-humana" de nome Aiwass, a qual posteriormente identificou como sendo o seu próprio Sagrado Anjo Guardião. Israel Regardie, discípulo e secretário particular de Crowley, preferia atribuir a voz ao próprio subconsciente de Crowley, mas as opiniões sobre a identidade de Aiwass variam enormemente entre os thelemitas. Apesar das referências a Rabelais, a análise de Dave Evans do Livro da Lei apresenta maiores semelhanças com o texto "O Amado de Hathor e a Capela do Gavião Dourado", peça de Florence Farr, do que com "Gargantua e Pantagruel". Evans diz que isso pode resultar do fato de que tanto Farr quanto Crowley terem sido membros da Ordem Hermética da Aurora Dourada e dela tenham absorvido os ensinamentos e a simbologia, e que Crowley talvez conhecesse o material anterior e tenha se inspirado nos textos de Farr. Sutin também encontra similaridades com o trabalho de W. B. Yeats, atribuindo tais similaridades a "inspirações compartilhadas" (como em uma espécie de ''zeitgeist'') ou talvez ao conhecimento por parte de Yeats do trabalho do próprio Crowley.
 
Crowley escreveu vários comentários sobre o Livro da Lei, o último dos quais em 1925. Este breve trabalho, intitulado apenas "O Comento" avisa sobre os perigos do estudo do Livro e da discussão de seu conteúdo, assinando como ANKH-F-N-KHONSU e deixando claro que
Todas as questões da Lei são para serem decididas apenas por apelos aos meus escritos, cada pessoa por si mesma.

 

Verdadeira Vontade

De acordo com Crowley, todo indivíduo é dotado de uma Verdadeira Vontade, a qual deve ser diferenciada das vontades ordinárias e dos desejos do ego. A Verdadeira Vontade é, essencialmente, o "chamado" ou "propósito" da vida de alguém. Alguns magos recentes concluem disso que chegar à auto-realização deve ser feito por seus próprios esforços, sem a ajuda de Deus ou qualquer outra autoridade divina. De trabalhos como o "Liber II - A Mensagem de Mestre Therion" pode-se entender que a Verdadeira Vontade do indivíduo é nada mais que uma porção da própria vontade divina. "Faze o que tu queres será o todo da Lei" não se refere ao hedonismo, acatando-se qualquer desejo mundano, mas no atender do chamado desse propósito maior. O thelemita é um místico que, de acordo com Lon Milo Duquette, baseia suas ações no sentido de descobrir e executar essa Vontade; quando alguém a realiza é como se encontrasse sua própria órbita entre os demais corpos celestes na ordem universal, e o universo passa a auxiliá-lo. Não se deve confundir esta idéia com o a chamada "Lei da Atração", proposta no livro "O Segredo": Thelema não implica no desejo por algo, mas sim na descoberta da sua própria natureza [intima, de modo a se alcançar paz e unidade com o Universo. De forma a alguém se tornar capaz de seguir sua Verdadeira Vontade, as inibições instiladas pela sociedade no Self devem ser quebradas por um processo de descondicionamento. Crowley acreditava que isso seria alcançado pela libertação de todos os desejos inconscientes e pelo controle da mente consciente, especialmente das restrições colocadas à expressão sexual, que é associada ao poder da criação divina. Thelema associa a Verdadeira Vontade de cada indivíduo com o Sagrado Anjo Guardião, o daimon único de cada ser humano. A busca espiritual para se alcançar e cumprir essa Verdadeira Vontade também é conhecida em Thelema como parte da chamada Grande Obra.

Magia e Ritualística
Thelema possui um conjunto próprio de práticas mágicas que recebe o nome de "Magick". Esta denominação foi utilizada por Crowley (a partir da forma vitoriana do termo "magic") para diferenciar seu sistema mágico da magia de salão (em inglês, não existem termos distintos para magia e mágica). É um sistema físico, mental e espiritual englobando exercícios e práticas que buscam levar o adepto ao encontro de seu Sagrado Anjo Guardião e, através dele ao conhecimento da Verdadeira Vontade e sua execução - ainda que alguns dos ritos sejam de celebração de datas ou aspectos. Crowley foi um autor prolífico, integrando práticas místicas orientais com práticas ocultistas ocidentais, muitas advindas do trabalho da Aurora Dourada. Ele recomendava uma série básica destas práticas a seus discípulos, incluindo o básico do Yoga (asana e pranayama), o Ritual Menor do Pentagrama, da Aurora Dourada, a Missa da Fênix e o Liber Resh, que consiste de quatro adorações diárias ao Sol (representando o Self). São também práticas criadas ou recomendadas por Crowley várias de magia sexual e de origem gnóstica. Muito de seu trabalho pode ser encontrado tanto em livros como o "Magick Without Tears" ("Magick sem Lágrimas") e o "Gems of the Equinox" ("Jóias do Equinox"), bem como em diversos sites da Internet.
Em ordens thelemicas como a Ordo Templi Orientis ou a Astrum Argentum o trabalho mágico é feito através de uma série de Graus iniciáticos. Thelemitas que seguem seus caminhos de forma autônoma costumam basear-se em trabalhos de Crowley disponíveis publicamente como um guia e em sua própria intuição.
A ênfase da magia thelemica não é na obtenção de resultados materiais (para tanto, os thelemitas costumam recorrer a outros sistemas mágicos como a Goécia, a Sigilização ou a Feitiçaria) mas sim no desenvolvimento espiritual através do auto-conhecimento e do contato com o Sagrado Anjo Guardião, sendo este seu principal objetivo. Este contato consciente é conhecido como o "Conhecimento e Conversação com o Sagrado Anjo Guardião" e leva ao conhecimento da Verdadeira Vontade. Ainda que Crowley considerasse o Sagrado Anjo Guardião como uma entidade separada da pessoa, muitos thelemitas atuais o vêem como uma manifestação do Self - isto é, centro da totalidade psíquica do ser humano, o que, para a Psicologia Jungiana, equivale a Deus.
Nas linhas de trabalho por Graus mágicos, os Graus mais altos são alcançados através do cruzar do Abismo com o auxílio do Sagrado Anjo Guardião e o abandonar do ego. Contudo, caso o adepto não esteja preparado adequadamente, será tragado por seu próprio ego, tornando-se um Irmão Negro. Assim, ao invés de se tornar uno com Deus, derramando seu sangue na taça de Babalon e se abrindo pela fórmula do Amor para todo o Universo, o Irmão Negro passa a considerar seu ego como sendo Deus, fechando-se nele. De acordo com Crowley, o Irmão Negro desintegra-se gradualmente, passando a depender da adoração de outras pessoas para seu próprio auto-engrandecimento.
Crowley pregava um exame cético sobre todos os resultados obtidos através da meditação ou da magia. Ele insistia na necessidade da manutenção de um diário mágico, que deveria conter todas as condições observáveis de um evento para posterior análise e comparação. Com isso, buscava uma metodologia para a experiência mística ou mágica semelhante à metodologia empregada pela ciência tradicional e, com isso, separar ''Magick'' do misticismo barato e da superstição. Crowley definia Magick como tendo "o método da ciência e o objetivo da religião", alegando que toda experiência mágica deveria ser passível de comprovação e repetição não acidental. Sendo a magia, porém, uma ciência empírica, os resultados são quase sempre subjetivos, de modo que o que pode ser visto como sucesso por um praticante pode ser entendido como fracasso por outro ou como fantasia por um cético. Contudo, a idéia é que se um mesmo praticante repete o mesmo processo com as mesmas condições, os resultados obtidos devem ser reconhecíveis como sendo suficientemente próximos para que se aceitem como verdadeiros.
Não é necessário, entretanto, que se pratique qualquer forma de sistema mágico para ser um thelemita. Considera-se como sendo um thelemita todo aquele que aceita o Livro da Lei como seu livro sagrado e siga a filosofia ali expressa segundo suas próprias interpretações.

 

Ética

O Liber AL vel Legis coloca alguns preceitos básicos para a conduta individual. O principal destes é o "Faze o que tu queres", que representa tanto a primeira instância da Lei como um direito inerente a todo ser humano. Posto que os thelemitas utilizam a Lei de Thelema também como um cumprimento, entende-se que esse direito inclui a obrigação de permitir que o outro cumpra também sua Vontade sem interferências, ainda que tal pensamento não esteja presente no Liber AL de forma explícita.
Ainda que Crowley tenha dito não haver necessidade de se detalhar uma ética thelemica, uma vez que tudo está incluso na própria Lei de Thelema, escreveu vários documentos apresentando sua visão pessoal de conduta individual à luz da Lei thelemica, sendo que alguns fazem referência à questão da interferência sobre o caminho alheio: "Liber Oz", "Dever", "Liber II". "Liber Oz", considerado por muitos como a primeira Carta de Direitos Humanos, enumera uma série de direitos individuais derivados do "Faze o que tu queres", que incluem, entre outros, o direito de viver por sua própria lei, trabalhar como desejar, morrer como e quando desejar, amar quem, como e quando desejar etc. Estas declarações, contudo, não devem ser interpretadas como uma licença para que se ignore a legislação ou o direito alheio, uma vez que em Thelema considera-se que cada um deve assumir integralmente a responsabilidade por seus atos e suas consequências.
"Dever" é descrito como "Uma nota sobre as principais práticas de conduta a serem observadas por aqueles que aceitam a Lei de Thelema". Divide-se em quatro sessões:
  • A - Seu dever para consigo mesmo: descreve o Self como o centro do universo, com um chamado a que cada um aprenda sua natureza interna. Incita o leitor a desenvolver cada faculdade sua de forma equilibrada, estabelecendo sua própria autonivia e devotando-se ao serviço de sua própria Verdadeira Vontade.
  • B - Seu dever para com os outros: explica que se deve eliminar a ilusão de que exista uma separação entre alguém e todos os outros, a lutar quando necessário, a evitar a interferência com a Vontade alheia, a iluminar os outros quando necessário e a adorar a natureza divina de todas os outros seres.
  • C - Seu dever para com a Humanidade: coloca que a Lei de Thelema deveria ser a única base de conduta, que as leis mundanas deveriam ter como objetivo assegurar a liberdade maior de cada indivíduo, sendo o crime descrito como uma violação da Verdadeira Vontade de alguém.
  • D - Seu dever para com todos os outros seres e coisas: diz que a Lei de Thelema deveria ser aplicadas a todos os problemas e usada para se decidir toda questão ética, sendo uma violação da Lei utilizar um animal ou objeto para um propósito distinto daquele para o qual foi criado, tal como é arruinar algo de forma que se torne inútil a seu propósito; os recursos naturais podem ser utilizados pelo ser humano, mas isso deve ser feito sabiamente ou a quebra da Lei seria vingada (por exemplo, o deflorestamento causando erosão do solo).
Em "Liber II - A Mensagem de Mestre Therion", a Lei de Thelema é apresentada sucintamente como sendo "faze o que tu queres, então não faça mais nada". Crowley descreve a busca da Vontade não apenas como alheia a qualquer resultado como também com incansável energia. É o Nirvana alcançado e mantido de forma dinâmica e não estática. A Verdadeira Vontade é descrita como uma órbita individual e, se apenas ela é buscada, sem obstáculos em seu caminho.
De forma geral, cada thelemita é instigado a estabelecer seu próprio código de conduta e sua própria ética, de acordo com sua interpretação individual do Livro da Lei e de sua própria experiência de vida, seus estudos e suas conclusões. Em Thelema um código padronizado de conduta é impossibilitado pela inexistência de dogmas ou interpretações oficiais ou "corretas" de qualquer um dos textos sagrados.


Números Importantes

Já na leitura do Liber AL vel Legis percebe-se que os números ocupam um lugar importante dentro da simbologia thelemica. Em Liber AL I:3 há uma pista em relação a isso quando se diz que "todo número é infinito, não há diferença". Assim, todo número assume uma condição especial, com um denominador comum. Alguns números são conhecidos por seu uso regular na simbologia thelemica:
  • 31 - Não presente no Liber AL vel Legis mas, de acordo com Crowley, é "a chave para o Livro da Lei", uma vez que o termo hebraico "EL" - que geralmente é utilizado para representar Deus - possui esse valor dentro da Gematria, a numerologia cabalística.
  • 93 - É o próprio valor numérico de Thelema, bem como de Agape (o Amor sublime que é citado na segunda injunção da Lei de Thelema). Desta forma, Vontade e Amor são correspondentes dentro da filosofia thelemica.
  • 11 - Correspondendo à soma de 5 (o Microcosmo) com 6 (o Macrocosmo), representa o todo, a Grande Obra. É também relativo à 11ª Esfera da Árvore da Vida, Daath, cujo Abismo deve ser cruzado para que se chegue ao pleno auto-conhecimento.
  • 220 - É a totalidade do Universo.
  • 418 - Valor numérico da palavra "Abrahadabra", considerada por Crowley como a fórmula mágica do Novo Eon.
  • 666 - Número de catálogo da Estela da Revelação no Museu Boulaq, onde estava. Costuma ser considerado pelo cristianismo como o número do Anti-Cristo, mas dentro do ocultismo (vide quadrado mágico do Sol para mais detalhes) é o número correspondente ao Sol, símbolo do Self para a filosofia thelemica, não recebendo conotações ligadas ao mal.